PARTE 3:
CATEDRAL
"Dance a valsa negra comigo no meu quarto
Você gosta das paredes do meu templo?
Faça seus movimento - Presa em meu doce abraço
Leve o tempo que precisar - Você está destinada a ficar
Esvaneça
Encontrando o meu carinho perdido
Esvaeça em direção a minha Catedral"
(Cathedral - Tristania)
Você gosta das paredes do meu templo?
Faça seus movimento - Presa em meu doce abraço
Leve o tempo que precisar - Você está destinada a ficar
Esvaneça
Encontrando o meu carinho perdido
Esvaeça em direção a minha Catedral"
(Cathedral - Tristania)
OUVIR
Fazia um mês
desde a noite de bebedeira e a descoberta sobre quem ela era. Durante a semana,
as manhãs eram preenchidas com o colégio, e as tardes no Parque Areião ou no
Jardim Botânico, debaixo das árvores e longe das trilhas, ao lado de Adrien.
Ruby os rodeava, atenta ao sinal de Vampiros, Bruxos ou humanos suspeitos,
enquanto outros membros do clã permaneciam nas redondezas com o mesmo objetivo.
Nesses locais, Adrien
fazia Arely mergulhar em meio às vozes e ouvi-las, separá-las e anotar o que
diziam. Depois de algumas horas nisso, eles começavam a jogar xadrez ou WAR, ou
mesmo os dois ao mesmo tempo. O Lycan fazia a Mensageira continuar mergulhada
nas vozes e usá-las para montar as estratégias e jogar contra ele, com o menor
número de perdas possível. E para cada peça perdida ou sacrificada, Adrien
batia com uma régua de madeira nas mãos da garota. Durante a noite, iam para a
sede do clã Carvalho, onde continuavam os jogos antes de dormirem quase meia
noite. Entretanto, longe da natureza, Arely tinha a sensação de que ficava mais
difícil voltar de entre as vozes.
Durante o fim de
semana, o Observador a levava para veterinários durante o dia e a fazia treinar
a cura nos animais internados, analisando o espírito dela antes e depois. Perguntava
quantos animais ela curava e, se considerava um número baixo, a beliscava com
força. Dizia que, durante as batalhas,
era pior: cada morto entre eles significava um novo espírito para o outro lado
usar na Guerra.
Os pais dela não
gostavam que ela dormisse em outro lugar que não em casa, mas aceitavam que
Arely agora passava quase todas as noites na casa de Ruby. Algo mais por
insistência de Adrien, mais intensa a cada dia.
Ele percebia
como Arely descia cada vez mais numa espiral de insanidade — por mais que ela
resistisse às vozes, e, ah, como ela resistia quando não estavam num local rodeado
da natureza. Reconhecia as pessoas ao redor e não demonstrava a mesma violência
de Elizabeth, mas via coisas que não estavam ali, como visões, e sensações
intensas na pele que iam além do comum frio crescente — coisas que ele nunca
vira ou ouvira falar num Mensageiro. O frio era normal, consequência do aumento
da temperatura corporal. Mas sentir e ver coisas que não existiam... Isso não.
Começara
simples. Chamas acesas no fogão, mesmo quando o gás tinha acabado e ninguém
trocara ainda. Alguém deslizando os dedos por entre seu cabelo.
Agora, por vezes
ela saía correndo por ver uma parede de fogo onde nada existia, ou dizia que
fogo a consumia por dentro. Que quando se olhava no espelho, via o fogo rachar
sua pele e escapar pelas fendas, o via serpentear no branco do olho. Dizia que
cheiros de jardins silvestres invadiam suas narinas, e falava que eram as
flores do Jardim do Fogo Celeste, o que quer que isso significava; nesse
momento, parecia não ser ela, realmente. Graças a Deus que Ruby estava sempre
com ela no colégio, ou tinha medo do que aconteceria.
Adrien começava
a temer que não a considerasse pronta para enfrentar o teste da Catedral em
tempo — por alguma razão, ela ainda não apresentara visões claras de passado,
presente e futuro, algo essencial para Mensageiros, depois que os poderes
tinham de fato despertado; enquanto as visões não se apresentassem, não podia
se arriscar a fazê-la enfrentar o teste da Catedral. A forma como ela era
sugada pela loucura, de forma mais intensa e implacável por conta da resistência
às vozes, era selvagem. Temia que ela terminasse para sempre presa na
insanidade.
Allan observou o
jogo daquela noite com o coração apertado. Cada vez que a régua batia contra as
palmas de Arely, se encolhia com o estalo. Tinha vontade de pular no meio do
tabuleiro, espalhar as peças, pegar a garota nos braços e escondê-la e
protege-la.
E o que mais o
irritava não era o quão implacável Adrien era com o treinamento, mas como, com
o passar dos dias, a Mensageira passara a simplesmente olhar além quando a
régua atingia sua pele. Não parecia mais notar tudo ao próprio redor. Comia
cada vez menos, e as curvas generosas sumiam lentamente. Mesmo as bochechas de
criança estavam quase sumidas.
Estava quase
impossível permanecer longe dela. O que a insanidade provocada pelas vozes
tinham feito à garota... Não podia ficar longe e fingir que estava tudo bem.
Não estava. Duvidasse que fosse ficar. A fera não ajudava.
Mas precisava.
Mesmo naquele
abismo de insanidade, era possível perceber que ela amava Adrien.
Ele devia ser
masoquista, o Lycan concluiu. Apenas um permaneceria assistindo como o
Observador parecia não ter conhecimento — ou ignorar — do que Arely sentia por
ele.
— Allan. — desviou
os olhos verdes da dupla e olhou para a irmã, parada ao seu lado. Ruby lhe
estendeu uma caixa de isopor cheia de gelo. — Vou dormir. O treinamento pra mim
foi intenso hoje. Quando eles terminarem aí, cuida das mãos da Arely. — a boca
da aprendiz se torceu de desgosto e relanceou um olhar para Adrien antes de
continuar pelo corredor.
Allan imaginou o
que se passava na cabeça da irmã. Raiva por Adrien sempre se negar a ajudar
Arely a tratar dos hematomas dos beliscões e das mãos que ficavam praticamente
em carne viva. Fizera tudo que fizera para conseguir chegar até ela... E agora
parecia não se importar de todo com o estado dela após os treinamentos. E
claramente a evitava quando não se focavam em treinar os poderes de Mensageira.
Minutos depois,
Adrien deu o jogo por encerrado — devido à estranha falta de reação da garota
para mover as peças — e se levantou do tapete. Allan se empertigou, e o viu
oferecer a mão para Arely. A Mensageira permaneceu com os olhos de
chocolate-quente fixos em aparentemente nada, ignorando-o. O Observador
suspirou, endireitou a coluna e foi para a outra construção. No começo, Arely
praticamente implorara à Ruby para que os quartos de ambos ficassem em
construções separadas.
Allan esperou
que ele fechasse a porta atrás de si antes de andar até Arely. De perto,
percebeu melhor como os olhos estavam fundos, e sentiu o coração apertar. Não
apenas mal comia, mas mal dormia também. Antes que ela mergulhasse tanto na
insanidade, a ouvira comentar que as vozes a impediam de adormecer e a deixavam
enjoada.
— Arely? — ela não
o ouviu. Permaneceu com o olhar distante, a testa lisa, a boca reta. Apertou de
leve o ombro da garota. — Arely? — tentou de novo, e dessa vez obteve uma
reação.
Ela levou um
indicador esticado à frente dos lábios e fez um “shhhhhh” longo, não o olhando.
O Lycan suspirou
e sentou ao lado dela no tapete. Com cuidado, pegou a mão esquerda, a mais
próxima, e a mergulhou no gelo, esfregando as palmas com cuidado. Fez o mesmo
com a outra mão, até que ambas pareciam em melhor estado.
Allan deixou a
caixa na mesa de centro, em cima dos mapas do WAR, e voltou a olhar para Arely.
Por alguns segundos, fez apenas isso, até envolver com cuidado um dos ombros
dela e a fazer levantar junto dele.
— Vamos. Você
precisa dormir. — tentou arrastá-la para o próprio quarto, mas Arely permaneceu
no mesmo lugar como uma pedra. — Arely... — começou; os olhos dela fixos nos
dele impediram-no de continuar. Pareciam mais lúcidos e presentes do que ele se
acostumara nos últimos dias, conforme ela se soltou do braço em seus ombros e
ficou de frente para ele.
— Dormir como,
Allan? As vozes não deixam. — o olhar baixou, e logo ela se agarrou à frente de
sua camiseta. Os dedos se fecharam em torno do tecido com tanta força que
ficaram ainda mais pálidos e ele temeu que rasgassem o algodão. Estranhou a
linha tensa de seus ombros. — E sinto sempre tanto frio... — Arely se inclinou
até apoiar a testa em seu peito, respirando pesadamente.
Com um suspiro,
sentindo algo no fundo da mente dizendo que se arrependeria depois, a abraçou e
começou a esfregar as costas, a textura da blusa de lã contra sua pele fazendo
Allan ter vontade de se coçar. Primeiro Arely ficou ainda mais tensa, mas então
relaxou e o abraçou de volta, com mais força do que ele achava possível.
— Vamos. Vou
ficar com você até dormir. — sussurrou perto da orelha dela, enforcando
mentalmente a fera e a ideia de enfiar o nariz no meio do cabelo da garota para
conseguir mais do cheiro de fogo, de terra queimada, de calor... Era irônico
que ela passasse frio quando um aroma tão quente e intenso a rodeava.
Sentiu ela balançar
a cabeça em afirmativa contra seu peito. Com calma, a girou um pouco, ainda
abraçando-a, e começou a levá-la para o quarto que tinham arrumado para ela, de
frente para o quarto de Ruby, em silêncio.
Na metade do
caminho, ela se soltou dele quase com violência, os braços erguidos de forma
protetora diante de si enquanto recuava, até as costas baterem contra a parede.
O Lycan estendeu as mãos de forma tranquilizadora, tentando entender o olhar
assombrado.
Vozes malditas.
Mal conseguia se
manter em foco. Mal conseguia perceber o mundo ao seu redor. Mal conseguia
saber o que era real e o que era invenção provocada pelas vozes, pelo jejum
não-intencional e pela falta de sono. Descendo pela espiral de insanidade cada
vez mais.
Como ela podia
deixar Allan tão perto dela? Era cruel com ele, com o sentimento que ele tinha.
Não era recíproco. Como ela era capaz de fazer aquilo com ele?
— Desculpa,
Allan... É... É... Cruel fazer isso com você. Desculpa. Eu vou sozinha pro meu
quarto. Não precisa se preocupar. — tentou sair correndo, mas antes que desse
dois passos, o Lycan segurou seu braço e a puxou até ficarem frente a frente de
novo.
Arely manteve o
rosto baixo. Não conseguia olhá-lo nos olhos depois daquilo.
— Do que está
falando, Arely? — ele sussurrou, e ela tentou soltar o braço, sem muita
vontade, antes de desistir.
Balançou a
cabeça e mordeu o lábio inferior. Sentiu os olhos encherem de lágrimas.
— Eu sei que
você... Que você me ama, Allan. As vozes me contaram. Elas também me contaram
que você sabe que não é recíproco. — sentiu a mão em seu braço afrouxar, e o
soltou, cruzando os braços como se tentasse se aquecer. E realmente tentava.
Odiava sentir tanto frio. Maldito metabolismo acelerado. — É cruel forçar minha
presença perto de você, sabendo disso.
Sentiu as mãos
dele nas laterais de seu rosto e no pescoço, abençoadamente quentes, forçando-a
a erguer a cabeça e olhar para ele. Ele sorria de leve, e quis gritar ao ver
tal sorriso. Como ele conseguia sorrir com aquilo?
— Não me importo
com o quanto dói, Ly. — o diminutivo foi como uma facada. Geralmente, apenas
pessoas realmente íntimas a chamavam apenas de “Ly”. — Se eu ficar por perto
quer dizer que o risco de Louis ou qualquer outro Vampiro ou Bruxo chegar perto
diminui, então eu aceito. E eu posso manter outros seguros de você, conforme
você se aprofunda nas vozes. Te manter segura de você mesma.
Como ele
conseguia falar sobre aquilo tão calmamente? Colocou as mãos em punhos no peito
dele e tentou afastá-lo, sem sucesso. Era como tentar mover uma parede de
concreto.
— Ainda é cruel.
Não posso admitir que você fique perto de mim tanto tempo, Allan. É... É cruel
demais. Você não merece isso.
— E você não
merece que o único a te treinar como Mensageira é justamente o idiota que não
sabe o que você sente e que ignora o que é óbvio. — a voz dele saiu dura e inflexível.
Ele estava tão certo na maior parte que foi como uma chicotada, fazendo-a se encolher.
Engoliu em seco,
um sabor amargo na boca. Ele merecia a verdade.
— Ele sabe,
Allan. — murmurou, e por um instante os dedos das mãos que apenas a aqueciam
sentiram-se como garras, antes dele relaxar novamente. — Um mês atrás... Bebi
muito. Tentava calar as vozes, mas apenas as intensificou. Foi quando descobri
o que você sentia por mim. E quando fiz besteira e o Adrien descobriu o que eu
sentia por ele.
As mãos desceram
para seus ombros, e então ele a puxou para outro abraço. Arely se perguntou de
onde Allan tirava a força para agir daquele jeito, sabendo de tudo. Ela não
conseguia. Por mais que conhecesse o sentimento que tinha por Adrien, ao mesmo
tempo sentia vontade de correr para longe dele, por causa da rejeição. E ainda
assim, era incapaz de tirá-lo da cabeça.
Sentimento
idiota.
Antes que
pudesse parar a si mesma, abraçou-o de volta, em busca do calor dele, e o
apertou contra si. Era bom. Sentia saudades de abraços quentes como aquele.
— Ele é mais
idiota do que parece, então... — sentiu-o murmurar perto de seu ouvido, e quase
impossivelmente sentiu-se rir com o leve humor na voz de Allan e com a sensação
de cócegas que a respiração dele provocou em sua pele. — Vamos. Você precisa dormir.
— Está bem. — murmurou
contra o tecido da camisa dele, e deixou-se ser guiada para o próprio quarto.
Deitado na cama
de seu quarto, imóvel, os olhos de bronze derretido fixos na escuridão. Adrien
não conseguia dormir. Muitos pensamentos na cabeça, sobre Arely e seu estado.
As visões.
Por que estavam
demorando tanto? Normalmente, começavam quando as vozes alcançavam seu ápice,
cerca de um mês depois do surgimento da primeira, e já faziam dois meses. Arely
tinha tido visões antes, ele as vira dentro de sua cabeça; agora, com a mente
escudada pelo poder intrínseco da parte angelical, não podia recorrer a tocar o
espírito dela com o próprio para entrar em seus sonhos e verifica-los. Dependia
que ela lhe contasse.
Pensando bem, da
forma como ela parara de falar com ele quando não era necessário, ela podia
estar tendo visões e não lhe contara. Ou as tinha e não sabia o que eram.
Anjos, ele precisava descobrir logo. O mergulho na insanidade tinha sido rápido e voraz
para a garota. Mais intenso e rápido do que para qualquer Mensageiro que ele
conhecera ou ouvira falar. Nunca um Mensageiro tivera alucinações antes. Não
que ele soubesse. Não que estivesse escrito nos Arquivos aos quais Hayato lhe
dera acesso.
E o pior medo de
Arely. Ela ainda não lhe contara qual era. Precisava saber para preparar o
teste. Entretanto, ela simplesmente não respondia quando perguntava algo fora
dos jogos de xadrez e WAR. Pareciam ser as únicas coisas nas quais ela ainda
conseguia se focar ao longo do dia, após os mergulhos entre as vozes. Quando os
jogos terminavam, cada vez levava um tempo maior para ela voltar, com um olhar
frágil, como se visse coisas que ninguém deveria ver.
Alucinações não
eram normais em Mensageiros. Precisava descobrir o que estava acontecendo com a
garota.
Levantou-se num
pulo e pegou o celular próprio, discando o número de emergência que Hayato
estava usando no Brasil. Era o único Observador velho o bastante que poderia
ter alguma explicação.
A linha deu
sinal de tocar algumas vezes, antes que finalmente a voz cansada do Drachen
respondesse do outro lado.
Ah, sim. Hayato
conseguira se aproximar da Guardiã. Treino de magia cansava. Provavelmente, o
outro Observador também tinha acabado de ir dormir, como ele.
— O que aconteceu, Adrien?
— Você já soube
de Mensageiros que tinham alucinações relacionadas à vozes, odores, aparições e
toque, quando os poderes despertavam, antes de pisarem na Catedral? — foi
direto ao assunto, esfregando o pescoço tenso e sentindo tantos nós nos
músculos que ficou surpreso por ainda conseguir mexê-lo.
Houve silêncio
do outro lado por um tempo, e conseguiu ouvir o ruído suave de tecido por um
instante.
— Já. Não é algo dos Mensageiros. Humanos
comuns, Lycans, qualquer um pode passar por isso. — voz forçada.
Ele não queria
falar sobre aquilo.
— O que é então?
Um suspiro
pesado veio do outro lado da linha, e Adrien esperou que Hayato não desse uma
de suas inúmeras respostas enviesadas destinadas a mudar o assunto.
— Aviso que envolve um bocado de coisas não
confirmadas. — o Observador começou, e Adrien se ajeitou na cama. — Almas são coisas complicadas, como você já
percebeu. Almas Gêmeas, Almas Irmãs, e outro bocado de coisas. Elas vêm de fora
da dimensão, de outro lugar, por isso não se sabe se reencarnação existe ou
não. E você sabe como os Anjos respondem bem perguntas que envolvem dimensões
diferentes. — uma pausa, e tentou imaginar onde aquilo ia parar. — Algumas almas, eu e outros que as estudaram
concluímos com o passar dos tempos, possuem mais de uma opção de destino.
Enquanto a maior parte, aparentemente, tem apenas uma pessoa numa dimensão como
destino de encarnar, outras almas têm a possibilidade de encarnarem em corpos
diferentes em dimensões diferentes. Não sabemos se é algo como reencarnação, ou
simplesmente como se a alma chegasse numa bifurcação e escolhesse uma direção
dentre pelo menos duas. Chamamos essa alma de Alma com Múltipla Possibilidade
de Destino.
Complicado. Um
monte de coisas não confirmadas.
Mas o que aquela
informação tinha com sua pergunta?
— Mensageiros com esse tipo de alma, quando os
poderes despertam, e mesmo antes, por causa de sua capacidade com visões e com
as vozes, passam a ter vislumbres do outro destino possível de sua alma, e
contribuem muito para a insanidade, acelerando-a. São os que mais sofrem por
ter esse tipo de alma. Outros podem passar por alucinações, mas nunca tão reais
e intensas quanto num Mensageiro. A Catedral parece ter um efeito que
neutraliza esses vislumbres para sempre, por isso recomendo levar Arely logo
para lá. — uma pausa, e ouviu um riso baixo. — Essa geração de Velhos Líderes e Guerreiros está cheia de
surpresinhas... Fazia uns séculos desde o último Mensageiro de Alma com Múltipla
Possibilidade de Destino.
Outra coisa para
se preocupar. Quem tivera a ideia de colocar tantas complicações em Arely?
— Obrigado,
Hayato. Pelo menos agora sei o que está acontecendo.
— Não estou brincando, Adrien. Realize o teste
logo. Não tenho ideia do que acontecerá se Arely ficar presa na insanidade,
sendo a última Mensageira.
— Vou tentar,
Hayato.
Desligou e jogou
o celular pra fora da cama, controlando-se para não atirá-lo na parede.
Louis estava diante dela, o cabelo loiro mais comprido
que na última vez que o vira, bagunçado, parte caindo em torno do rosto pálido
e debochado, chamando a atenção para os olhos azul-claríssimo. Algo da cor de
vinho-tinto, indicando o instinto vampiro se remexendo no interior, começando a
aparecer nas bordas da íris.
Arely, parada diante dele, sentia-se livre. Como se
nada a segurasse, fisicamente falando. Estranho ela aceitar ficar perto dele
sem nada forçando-a a permanecer ali.
Ele estava muito perto. O peito desnudo pela camisa de
botões aberta encostando na blusa de moletom que cobria seus seios. Perto
demais. O cheiro de sangue o rodeando, apesar dele não ter o líquido vermelho
sobre ele, a deixava enjoada. Fazia Arely querer correr.
Mas não conseguia. Algo mais a fazia permanecer ali,
ao invés de empurrá-lo, chutá-lo, se afastar.
— Vá em frente. Acabe logo com isso. — sua voz saiu
violenta, súbita, cheia de raiva. Continuava odiando-o, mas por alguma razão...
Não se afastava. — Detesto que enrolem. — Deus, o que estava acontecendo?
Um sorriso jocoso cheio de dentes apareceu no rosto
pálido, os caninos pontiagudos a fazendo estremecer.
Ele baixou o rosto para o seu, algo nela falando que
era a segunda vez que aquilo acontecia, e prendeu o grosso lábio inferior dela entre
os próprios, numa espécie de beijo não correspondido, os olhos claros fixos nos
dela com uma luz estranha. Sentiu as pontas afiadas dos dentes na pele frágil,
e uma pontada quando os caninos rasgaram e o sangue fluiu.
Louis se afastou um pouco, soltando o lábio. Sentiu o
sangue escorrer pelo queixo e pingar na blusa, rápido, sem controle. Um efeito
do anticoagulante que vampiros produziam. Adrien a avisara.
Lutou para permanecer impassível, para não se encolher
com a agulhada constante que o ferimento nos lábios causava, quando o sorriso
aumentou. Asco a preencheu quando ele lambeu o sangue em seu queixo, o olhar
tornando-se totalmente vinho-tinto e preenchido de luxúria.
— Ainda bem que me alimentei mais cedo. Teria
problemas para parar. — ele aproximou a boca de sua orelha, deslizando os
lábios pela bochecha da garota. O toque era quase carinhoso, e mordeu a
bochecha por dentro para não gritar de raiva. — O fogo no sabor... É o melhor
sangue que já provei.
O vampiro baixou a boca para a curva do pescoço e
abraçou-a antes de fincar os caninos na pele com força. A dor súbita, aguda e
constante, fez as pernas de Arely fraquejarem, e contra a própria vontade
apoiou as mãos nos bíceps de Louis e agradeceu mentalmente o apoio.
Sentiu seu sangue ser sugado com vontade,
enfraquecendo-a. Depois de um tempo, sentiu os dentes saírem e o sangue se
espalhar pela blusa. Ele afastou o rosto dela e soltou um braço de sua cintura,
o outro firmando melhor seu peso.
Louis pegou um dos pulsos de Arely e cortou a pele com
a unha, um corte espesso, fundo. Sem o anticoagulante presente na saliva, o
corte sangrou pouco. O vampiro então mordeu o próprio pulso, vermelho-vivo se
espalhando pelo braço, e grudou os dois ferimentos, um insuportável sorriso
sanguinolento para ela.
Acordou de
repente, apavorada, ofegante de desespero, se sentando na cama de um pulo e
levando a mão ao pescoço e então ao pulso. Ambos estavam quentes, a pele
irritada, e o toque apenas a fez se sobressaltar com a sensibilidade.
Olhou para trás,
para onde Allan estava sentado mais cedo — as costas apoiadas na parede, a
cabeça dela apoiada nas coxas do Lycan e as mãos dele fazendo cafuné em sua
cabeça até ela adormecer. Ele ainda estava lá, numa posição incômoda e
começando a acordar.
Ele ergueu o
rosto, os olhos verde-musgo, sonolentos e preocupados, se fixando nela.
— O que
aconteceu, Ly? — de novo o diminutivo. Engoliu em seco e se arrastou para perto
do Lycan, de joelhos sobre o colchão, e abraçou-o com força, escondendo o rosto
no peito do rapaz. Tremia, e sentiu-o envolver suas costas e esfregá-las,
tentando acalmá-la.
Após alguns
minutos, conseguiu afastar as imagens do sonho — pesadelo — de sua mente,
colocá-las no fundo de suas memórias e cataloga-las como “não aconteceu”, por
mais real que parecessem, e sentiu-se mais calma, o coração menos acelerado no
peito. Agradeceu as vozes: sem elas, seria mais difícil deixar de se focar no
pesadelo. Apoiou a cabeça de lado no ombro de Allan, ainda abraçando-o.
— Desculpe te
acordar. — resmungou, e sentiu o abraço se apertar da parte dele.
— Tudo bem, Ly.
Para te deixar assim, deve ter sido algo muito ruim. — havia compreensão na voz
dele, e sentiu-se relaxar pouco a pouco, algo ajudado pelo calor que a aquecia.
Ajeitou-se melhor, e acabou sentada entre as pernas do Lycan, a cabeça ainda no
ombro e os braços em torno do tronco dele, o abraço devolvido, e o cobertor que
tinha jogado longe ao acordar envolvendo ambos. — Confortável? — Allan
perguntou, meio rindo, e Arely sentiu-se rir também.
— Muito. — respondeu.
Por um tempo, pensou se contava ou não o sonho a Allan, e acabou por decidir
que sim. Era o culpado por acordá-lo, afinal — Tinha Louis no pesadelo. Ele me
mordia, e então cortava o meu pulso e me fazia ter contato com o sangue dele,
como o Adrien me avisou que ele poderia fazer para me transformar numa Bruxa. Parecia
real demais.
Por um instante,
ele apertou o abraço tanto que quase doeu, mas então ele se forçou a relaxar. A
garota sabia que se forçava a tal por causa do suspiro longo e pesado que Allan
soltara, antes de afrouxar os braços. Ambos — ele e a fera dele — deviam estar
irritados com o que ela contara.
— É pra acordar
desesperado mesmo. — Allan murmurou, e então a Mensageira sentiu um beijo no topo
de sua cabeça, carinhoso e cuidadoso.
Sorriu de leve.
— Obrigada por
estar aqui. Por ouvir. Por ajudar.
— Sempre que
precisar, Ly. — sentiu o abraço se estreitar, e pela primeira vez desde que as
vozes tinham começado, sentiu que era realmente capaz de dominar e entender o
que diziam e não ficar presa na insanidade.
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Mande beijo pra mãe, pra tia, pro namorado(a), pro cachorro, pro passarinho, dance cancan, enfim, fique a vontade, a dimensão é sua.
Syba: Mas não faça piada do meu cabelo... u.ú
Gabi: Tá, tá... ¬¬