Um som lento e constante de algo se abrindo a alcançou, vindo da
cozinha. A janela. Prendeu a respiração por um instante, olhando de esguelha para
Jaguar; ele ergueu os olhos verdes e imateriais na direção do arco que levava à
cozinha. A mão apertou o cabo do maquauhuitl¹ tão forte que, mesmo com a semi-transparência do corpo, os nós dos
dedos embranqueceram.
— É um deles... Posso sentir. – a voz forte soou em sua mente enquanto
via os lábios se mexerem. — Você tem de sair daqui, Alanna.
A garota olhou desolada para a cadeira de rodas à sua frente, inteira,
mas não rápida o suficiente, não para fugir de um Tzitzimime, e então olhou de
novo para Jaguar, para os olhos de jade que tinham lhe passado confiança e
força desde o primeiro momento. Percebeu o peito dele se erguer e então
abaixar, como se suspirasse.
Piscou momentaneamente, escondendo o cinza-ferro atrás das pálpebras
antes de estender a mão direita para o guerreiro, um sorriso pequeno esticando
seus lábios e mostrando minimamente suas covinhas. Ao menos não tinha mais de
se preocupar que seu poder falhasse.
Com um único olhar na direção da cozinha, de onde o som de vidro
quebrando tinha acabado de se espalhar – provavelmente a louça na pia abaixo da
janela –, ele tocou a mão estendida dela com a mão do braço que tinha o chimalli2 preso.
E ela deixou que se tornassem um.
1: O maquauhuitl tratava-se de uma arma utilizada pelos astecas e por outros povos que habitavam a região atualmente central do México. Era uma espécie de clava achatada de onde sobressaíam várias lâminas de obsidiana, um vidro vulcânico muito usado pelos povos pré-colombianos.
2: Tratava-se de um escudo redondo e decorado, feito de diversos materiais e disponível para quase todas as classes de guerreiros astecas, com exceção da mais baixa. Outros povo da região também o utilizavam.