21 outubro 2012

Arely A Mensageira - Interlúdio: Êxodo

Silver stars in my black night
Cold as ice but beautiful
Wandering trough broken shadows
The river of life is all filled with sins
The water I drink is the blood on my hands

Estrelas de prata em minha noite escura
Frias como o gelo, mas belas
Distraído em vales de sombras quebradas
O rio da vida está todo cheio de pecados
A água que bebo é o sangue em minhas mãos

(Blood on my Hands, Xandria)

Algum ponto entre os séculos XV e XVI, região da atual Pádova, Itália

- Hei, Adrien... Já está anoitecendo e a mamma está chamando a gente. O pappa abateu um veado, e um dos grandes.  – o rapaz de cabelos loiro-claro e olhos azuis igualmente claro, as roupas simples e quentes caindo folgadas em seu corpo magro, aproximou-se do outro que terminava de cortar a lenha.

O que acabara de descer o machado em direção à um toco de madeira apoiou um dos braços no cabo, secando o suor da testa com a manga do casaco e sorrindo para o rapaz que acabara de chegar. Diferente do outro, as roupas ficavam mais apertadas em seus ombros e braços, indicando a constituição mais avantajada. Mas essa era de fato a única diferença: ambos possuíam os rostos idênticos, e nem sequer o tom de pele, do cabelo ou dos olhos se alterava. Nem mesmo a altura.

— Bem, Louis, admirável a sua humildade, mas se você fala que o pappa abateu um veado grande, isso quer dizer que você o rastreou. – Apoiou o machado num dos ombros, jogando um toco de madeira para o irmão, se aproximando e batendo no ombro do mais magro. – Você é melhor rastreador que ele quando se trata de determinar se uma presa vale ou não à pena.

Louis gargalhou, empurrando a madeira para Adrien.

— E você é melhor que eu, mas quis ficar aqui hoje... Podíamos ter encontrado um javali que valesse a pena e o risco se você estivesse com a gente... – deu de ombros, ajudando o irmão a empilhar a lenha do lado da casa. Adrien sorria, pegando os tocos lançados e os empilhando.

— Alguém tinha de cortar a lenha para o inverno que está chegando. E você, Louis... Nós sabemos que você não tem os braços firmes o suficiente pra um machado... Só pra um arco. – por pouco, um toco de madeira não o atingiu na cara.

— Obrigado pela parte que me toca, irmão. – sua expressão irônica e sarcástica fez Adrien rir mais ainda do irmão gêmeo. Louis atirou o último pedaço de lenha, andando na direção da casa. O gêmeo sorriu, seguindo logo atrás do irmão.


Louis sorria olhando para o céu estrelado e mais límpido que nunca com a proximidade do inverno. Sabia que devia estar dormindo: teria muitas coisas para fazer na manhã seguinte, mas não conseguia se impedir de estar ali, observando a noite e a borda da floresta. De repente, uma mão grande caiu sobre seu ombro, assustando-o, mas sorriu tranquilo ao ver o irmão dois minutos mais novo.

— Viajando como sempre? – Adrien perguntou, sentando no peitoril da janela, olhando para o rosto do irmão.

— Mais ou menos... – respondeu, vendo a lua aparecer por entre algumas nuvens que estavam chegando, indicando que podia nevar. Adrien virou o rosto, sorrindo para a deusa da noite, cheia e brilhante naquele instante.

— Numa noite como essa, é compreensível... Se não houvesse tanto a fazer amanhã, talvez você pudesse chamar a Marie pra um passeio ao luar... – sorriu de forma maliciosa, e Louis socou seu ombro.

— Olha como fala dela! Ela é uma garota respeitável! – Adrien sufocou os risos para não acordar os pais, mas vontade de rir não lhe faltava.

E então, começou. A proximidade com a floresta fazia a vila ter turnos de vigia durante a noite para impedir que algum animal selvagem atacasse galinhas, cabras, cavalos ou qualquer outro animal que ajudasse aquelas pessoas à sobreviver.

Mas o quão longo foi o som do berrante indicou que não era apenas um animal selvagem.

Adrien saltou do peitoril da janela, e seu pai logo em seguida apareceu, a porta parecendo explodir quando o homem a abriu.

— Adrien, pegue o machado. Louis, o arco. – virou-se para a esposa. – Fique aqui, Felippa, e tranque tudo. – o homem pegou o facão que usava para abater definitivamente os animais, os dois filhos o seguindo para onde já ouviam os sons de gritos de dor e de agonia.


Louis ficou a distância, procurando mirar nos estranhos atacantes de olhos vermelhos. Mas parecia não importar o quanto fossem atingidos, eles tornavam a levantar-se, o sangue vertendo por múltiplas feridas e parecendo ainda mais selvagens e irritados. O mais intrigante era o quanto pareciam humanos. E como matavam usando apenas as garras e os dentes.

Havia algo de muito macabro vendo todo aquele sangue escorrendo de suas bocas e espirrando em seus rostos quando atacavam o pescoço de algum dos habitantes. Para Louis, era quase como o Inferno solto na terra.

Foi quando ouviu a voz conhecida do pai gritar. Quando olhou, viu apenas o corpo ensanguentado caído com um daqueles monstros encurvados sobre ele, sugando seu sangue diretamente do pescoço. Já ia mirar, mas seu irmão apareceu repentinamente, tão ou mais coberto de sangue que os estranhos, e com um golpe forte e decisivo, cortou a cabeça do monstro. Segundos depois, tudo que havia sobre o corpo do pai eram cinzas.

Adrien olhou diretamente para ele em sua posição oculta dos olhos dos invasores, e Louis pensou ver seus olhos brilharem de modo estranhamente amarelado, o furor da batalha em cada fibra de seu ser, sinalizadas pela pose rígida e atenta. Um dos monstros tentou atacá-lo, mas só o que recebeu foi um súbito soco seguido do machado em seu pescoço. Adrien virou-se novamente para Louis, e gritou com seus pulmões fortes que podiam, um dia, tê-lo levado ao exército.

— TIRE A MAMMA DAQUI, LOUIS! – berrou, e então deu as costas para o irmão e se atirou no meio do numeroso grupo, desferindo golpes com o machado.

Seu irmão gêmeo era um dos últimos da vila a estar de pé, lutando contra os monstros, quando Louis deu as costas para o campo de batalha e correu.


Mas não em direção à própria casa.

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