Bocejou. Achou que sua mandíbula
fosse se deslocar, tão longo foi o tal bocejo. Só então encarou, com
desconfiança, os ovos mexidos com queijo e o copo de suco natural de laranja
diante dela. Subiu as íris cinza-ferro na direção do homem que parecia ser
apenas uns dez anos mais velho que ela – mas que tinha no mínimo dois séculos a
mais, ele nunca contara sua idade real –, de cabelos negros e espetados, de
porco-espinho, como ela gostava de falar desde pequena. A pele era morena, com
poucos pelos, e os olhos negros e estreitos tinham uma teia fina e quase
imperceptível de roxo. Ele parecia concentrado, lendo as notícias mais recentes
no tablete, um copo cheio de um líquido carmim e espesso na mesa à frente dele.
— Nilton... Desde quando você
cozinha? – a voz da garota de treze anos saiu tão desconfiada que parecia
pertencer a alguém bem mais velho. E ela tinha razão para desconfiar: desde
quando Nilton começara a criá-la, quase oito anos atrás, ela vivia à base de
fast food, restaurantes e comidas pré-prontas relativamente saudáveis, porque,
se tinha algo que ele não aprendera em sua longa vida, esse algo era cozinhar.
Ele tinha dinheiro. E, apesar de comer alimentos humanos, esses eram raros – umas três vezes por semana. Para que
aprender a cozinhar, então?
Ele ergueu os olhos do aparelho
eletrônico, fixando-os nos dela, os músculos do rosto puxando de leve a lateral
da boca num sorriso.
— Desde que Helena ameaçou
retirar a minha proteção da Stella Bianca se você não começasse a comer
direito. Parece que ela não gostou muito dos resultados dos seus últimos exames
de sangue. — com isso, ele bebeu todo o sangue do copo, lambendo o bigode
vermelho com uma expressão que podia ser descrita como deliciada.
A menina ergueu uma sobrancelha,
erguendo um pouco dos ovos com uma colher e então deixando cair de novo no
prato. Ela tinha sérias suspeitas de que o ovo estava quase cru pela forma como
obedeceu à gravidade.
— Quanta preocupação, levar oito
anos pra notar isso... — ela quase fez um bico ao falar. — Além disso, quem
disse que você é que tinha de cozinhar? Esse ovo mexido com queijo não tá
parecendo ovo mexido com queijo... — aproximou um pouco o rosto, afastando
rapidamente. — E tá cheirando estranho também... — resmungou. Ele tinha usado
açúcar ao invés de sal? E as coisas que ele usava em suas magias, vampíricas ou
não? Eram coisas que podiam ser chamadas de especiarias, mas ela duvidava que
podiam ser ingeridas com segurança por humanos; pelo menos metade eram
alucinógenos, e a última coisa que Alanna queria era ir para o colégio achando
que era uma minhoca, vendo o inferno ao redor dela ou qualquer outra coisa
estranha.
Nilton girou os olhos, apoiando
o tablet na mesa e se inclinando na direção dela.
— Ora, por favor, Alanna, não
pode estar tão ruim assim, e vou te provar! — arrancou a colher da mão de
Alanna, encheu-a generosamente e enfiou na boca.
A forma como seus olhos se
arregalaram, a colher caiu na madeira e ele usou sua velocidade sobre-humana
para alcançar a pia provaram que sim, podia estar tão ruim quanto parecia.
Alanna se encolheu na cadeira de
rodas, mordendo o lábio com uma mistura de divertimento e pena ao ver seu pai
adotivo cuspir sua “experiência culinária” e lavar a boca com tanta água que
ela ficou com medo de que a caixa do prédio ficasse vazia. Passados cinco
minutos, Nilton fechou a torneira e voltou para a mesa, apoiando-se nela
pesadamente e olhando de forma séria para a garota que tinha uma massa de
cabelos cacheados, finos e negros caindo até os ombros e emoldurando o rosto
moreno de traços mexicanos.
— Vou perguntar hoje na Ordem se
alguém sabe, teria tempo e gostaria de cozinhar pra gente.
Alanna sorriu de leve e se
esticou para segurar uma das mãos dele com carinho, a temperatura corporal um
tanto mais elevada que a sua se destacando, mas não incomodando.
— Obrigada mesmo assim por
tentar, pai. — Nilton sorriu de volta, colocando uma mecha cacheada atrás da
orelha da garota.
Com habilidade, Alanna manobrou
a cadeira de rodas motorizada para entrar na Spin modificada, os fixadores
prendendo o veículo quase imediatamente enquanto Nilton dobrava a rampa de
alumínio. Segundos depois, o vampiro se acomodou na cadeira do motorista,
colocando um par de óculos escuros e escurecendo ainda mais os vidros — era
melhor prevenir que remediar, apesar dos feitiços vampíricos de proteção.
Não demorou muito para o
automóvel sair da garagem coberta do condomínio e ganhar as ruas movimentadas
e, em alguns pontos, quase paradas, às seis e meia da manhã em São Paulo.
— Não esquece que hoje temos de
pegar a Vivian. — Alanna lembrou, vendo-o sorrir pelo retrovisor e fazer um
“positivo” com o polegar.
O vampiro já estava acostumado
com aquele trânsito. Sabia onde virar, onde acelerar e onde parar de forma,
bem, inumana. Alanna não contara no relógio, mas quando pararam na frente da
casa de Vivian, sua amiga desde que tinha entrado no colégio aos seis anos,
provavelmente não tinham se passado cinco minutos desde que tinham saído do
condomínio, embora fosse um trajeto que pedisse pelo menos quinze.
Nilton buzinou; a cortina da
sala pareceu se mexer, e então uma garota usando óculos retangulares à frente
de olhos grandes, de um verde-castanho mesclado com castanho-chocolate saiu da
casa, gritando um “até mais tarde” para o interior da construção enquanto passava
pelo portão e entrava no carro. Tinha o cabelo ondulado, de um loiro-escuro
quase marrom, preso em marias-chiquinhas, com as pontas na altura dos ombros; as
bochechas eram grandes e categorizadas como “apertáveis”, usando, como Alanna,
o uniforme branco, verde e azul do Estado.
— Bom dia, seu Niltin. — Alanna
segurou o riso ao ouvir o apelido dito por Vivian antes que a garota se virasse
para ela, um sorriso gigante nos lábios.
Nilton apenas balançou a cabeça
com um ar conformado ao responder o cumprimento enquanto se submetia à
“tortura” de ouvir a conversa das meninas, dançando por matérias, elogios e
reclamações sobre os professores e garotos. Não exatamente nessa ordem.
Mesmo assim, se voltasse no
tempo e tivesse de responder de novo a oferta de Helena, de criar Alanna, a
resposta ainda seria “sim”.
Ela realmente devia ter ido
dormir mais cedo noite passada, ao invés de ficar jogando Dead Space. Estava difícil
se manter acordada na aula sobre a Revolução Industrial, com suas datas, países
pioneiros e outra centena de coisas. Procurando não dormir, girou o pescoço e
observou que Vivian – sua amiga nerd de notas altas, companheira em jogos multiplayer e expert em puzzles de tumbas e etc – pescava na cadeira ao lado, o
queixo apoiado nas mãos, e que outro terço da sala dormia, disfarçadamente ou
não; decidiu que a matéria era realmente de dar sono, e que o problema não era
com ela.
Isso não melhorou seu humor, mas
quando viu que até mesmo o professor parecia ligeiramente entediado, a culpa
sumiu de seus ombros. Além disso, praticamente qualquer dúvida em história – e
algumas outras matérias também, venhamos e convenhamos –, ela tinha não apenas
Nilton, mas outros membros da Ordem que, como ela dizia, eram do “Clube da
Velharada” para quem perguntar sobre. Não era culpa dela que a maior parte
deles tivesse alguns séculos de vida e conheceram ou conheciam de perto grandes
nomes da ciência e todo o mais...
Ela só tinha de sobreviver a
todas as aulas duplas enfiadas em sua segunda-feira.
Quem, afinal, era o idiota que
acreditava que aulas duplas eram coisas boas? E como Melinda era capaz de
permitir tal tortura com, de acordo com a própria, uma de suas protegidas
favoritas?
Desviou das pessoas e seres
mágicos preenchendo os corredores, focando os olhos nas asas de libélula e nos
cornos de cervo que se sobressaíam acima das cabeças ao redor.
- Helena! – desistiu de tentar
alcançá-la civilizadamente e a chamou; a Glaistig parou e se virou,
observando-o e aguardando que a alcançasse, quando continuaram a andar pelo
corredor lado a lado. – Está tudo bem? Sua mensagem parecia meio urgente...
Em resposta, a Glaistig entregou
a pasta que segurava para o Vampiro. Nilton franziu as sobrancelhas enquanto
abria o arquivo. As folhas ainda estavam quentes, recém-impressas, e cheiravam
a tinta.
- Acabei de imprimir, mas as
informações chegaram mais cedo. Os Urutaus alegam que os demônios estão se
concentrando em São Paulo na última semana. Quero que você...
As palavras de Helena foram
engolidas pelo alarme estridente ecoando pelo corredor, lâmpadas vermelhas se
acendendo por todo o espaço. Uma voz começou a ecoar, provavelmente prestes a
falar o motivo do alarme, mas foi cortada por um som estranho de alguém
sufocando, antes de apenas o alarme permanecer.
- Vá verificar os
globos-arabescos, Nilton. – Helena falou acima do barulho estridente,
praticamente correndo pelo corredor.
Engoliu o macarrão com molho,
agradecida depois de não ter tomado um café da manhã de verdade – uma maçã e
leite com chocolate não podia ser considerado realmente um café... Nilton, além
de cozinhar, precisava aprender a fazer compras que não envolvessem magia.
— ‘Cê tá bem, Alanna? Tá
engolindo a comida como se não comesse desde sexta... — Vivian perguntou, suas
sobrancelhas finas e desiguais por causa de uma falha na esquerda se franzindo,
apoiada na parede ao seu lado. A garota na cadeira de rodas apenas olhou para
cima e deu um sorriso amarelo antes de responder.
— Nilton inventou de cozinhar. —
uma pausa para outro bocado de macarrão. — Ele não sabe cozinhar. — completou,
de forma reflexiva, observando Melinda, a diretora, andar por entre os alunos,
perguntando aleatoriamente como estava a comida.
Ela mantinha rédeas curtas na
cozinha, garantindo que a refeição fosse de ótima qualidade para as crianças e
adolescentes. Se decaísse, ela falava pessoalmente com as cozinheiras para
descobrir o problema, afinal, ela não gostava de demitir funcionários. Não
apenas isso, ela também tinha o costume de aleatoriamente falar com as crianças
em dias não especificados sobre os professores e vice-versa. Ela não tolerava
abusos e violência física ou psicológica de nenhuma das partes.
A mulher tinha a estatura quase
abaixo da média e pele negra. Os cabelos fortemente ondulados eram negros, com
uma grossa mecha grisalha do lado direito, e estavam presos num coque frouxo que
deixava a mecha grisalha solta, emoldurando os malares altos e a mandíbula
larga. Usava um par de óculos finos à frente dos olhos castanho-mel e acima do nariz
um tanto achatado e largo. A boca larga de lábios finos estava aberta num
enorme sorriso na direção de Alanna, começando a andar na direção da garota rapidamente
com os sapatos baixos e azul-escuro, elegante em seu conjunto de terno e saia acinzentado
risca de giz azul.
— Alanna, Vivian! — a mulher
cumprimentou alegremente, apertando os ombros das duas garotas. — O macarrão
está bom, docinhos?! — sua voz era um tanto aguda, quase no nível de incomodar,
não combinando totalmente com seu rosto.
— Delicioso! — Alanna logo
respondeu, enfiando mais um pouco da comida goela abaixo, enquanto Vivian
apenas sorria e balançava a cabeça em afirmativa discretamente.
A cadeirante viu Melinda sorrir
de modo deliciado, antes de puxar sua cadeira e virá-la para que ela pudesse
soltar seu cabelo do rabo de cavalo bagunçado que Alanna fizera mais cedo.
— Você tem de cuidar melhor do
cabelo, Alanna! Desse jeito, ele vai ficar todo quebradiço de novo! — a mulher reclamou, penteando os cachos com os dedos e
fazendo uma trança embutida rapidamente e com habilidade. Sua fala arrancou
risos das duas garotas, especialmente de Alanna.
A garota sabia que, na verdade,
Melinda não precisava de fato fazer tudo que fazia para manter a escola
Estadual nos eixos. Era uma Fada Madrinha e sabia tudo que ocorria ali como
conhecia a palma da própria mão, e com outros Padrinhos e Madrinhas no governo,
era fácil para ela discretamente demitir funcionários e transferir crianças que
fossem contra a doutrina dessa classe de Faes; eles visavam a segurança e o
bem-estar das crianças como um todo, mas possuíam protegidos, dos quais
cuidavam a vida inteira e pelos quais até faziam coisas moralmente e legalmente
questionáveis boa parte das vezes. Alanna ainda não sabia dizer se era bom ou
ruim que Melinda a tivesse entre suas dezenas de protegidos pessoais quase como
exigência de Helena – de forma semelhante que a líder da Oitava Unidade da
Stella Bianca ameaçara Nilton mais cedo, ela ameaçara a Fada Madrinha sete anos
atrás: Alanna é sua protegida, ou a Ordem não vai mais garantir a segurança do
colégio contra coisas que nem o seu poder pode lutar. Ela sabia que era a
política padrão da Stella Bianca com seus membros. Pouquíssimos não eram
respaldados por alguém da classe das Madrinhas e Padrinhos.
A mulher terminou a trança,
sorriu de novo e então se despediu das duas, continuando sua peregrinação entre
os alunos que tanto a respeitavam.
— Ela está mais estranha hoje,
não está? — Vivian perguntou, terminando de comer e seguindo a diretora com um
olhar interrogativo. Alanna deu de ombros, embora soubesse o que a amiga queria
dizer.
Embora humana e sem contato
direto com nenhum dos Sete Mundos, Vivian tinha uma percepção mais apurada que
a da maioria. Já a cadeirante percebera que Melinda estava mais agitada, e não
apenas isso. Com contato direto desde pequena, ela percebera que o espírito da
mulher estava mais instável, não querendo se manter sob o controle do feitiço
que o prendia dentro do corpo e impedia as asas de pura energia da Fada de
aparecerem. A percepção de Vivian a permitia sentir a agitação do espírito da
Fada Madrinha, embora não soubesse identificar que era isso que achava
estranho.
Franzindo as sobrancelhas e
engolindo o último bocado de macarrão, Alanna se perguntou o que estava
acontecendo por baixo dos panos que ninguém contara a ela...
Afinal, algo estava acontecendo.
Vivian despediu-se dela,
entrando no carro do irmão mais velho, Victor, e deixando-a sozinha na calçada
onde ela sempre esperava seu pai. Enquanto esperava, Alanna abriu a mochila e
pegou o volume sobre os seres do Terceiro Mundo que Farid, um dos Djinns da
Quarta Unidade da Ordem, tinha lhe emprestado. Estava com o livro desde o
começo do ano, e só agora estava alcançando o meio do grosso tomo, uma cópia
traduzida do original em aramaico — ou era hebraico? Ou árabe antigo, ou alguma
outra língua antiga daquela região... Ela não lembrava mais... — para o árabe
moderno, um dos idiomas que ela vinha aprendendo desde que a Stella Bianca a
adotara. As letras eram pequenas e negras contra a página amarelada, e existiam
diversas ilustrações perfeitamente copiadas do original preenchendo as folhas
finas, coloridas e mostrando todo o horror e toda a maravilha daqueles oriundos
do Terceiro Mundo.
Ela ainda não era fluente na
leitura do árabe e o tempo se dividia irregularmente entre coisas da Ordem e da
escola, por isso sua demora em aprender mais sobre aquele assunto. No entanto,
quando ela tinha lido mais de quinze páginas e Nilton ainda não aparecera, ela
começou a se preocupar. Pegou seu celular, e ao conferir que já eram quase duas
horas – ela sequer percebera os alunos do turno da tarde chegarem –,
imediatamente ligou para o Vampiro.
A voz irritante da operadora
disse que aquele número estava fora de área ou desligado. Amaldiçoando o Ciclo,
Alanna mexeu o controle analógico da cadeira, dando a volta nos muros do
colégio até alcançar a entrada externa da diretoria; subiu a rampa, entrando de
novo no colégio, e como imaginava, Melinda já estava na recepção, um sorriso
doce no rosto, esperando-a.
— Vem, Alanna, você pode esperar
Davi na minha sala. — a Fada Madrinha disse, com aquele tom carinhoso que
apenas aqueles como ela conseguiam ter para com seus protegidos, acenando na
direção da porta de metal aberta, alguns passos para a direita da janela
gradeada onde um funcionário recebia pais e outros. Deixando os lábios se
esticarem em resposta ao sorriso, adentrou a sala quadrada cheia de prateleiras
abarrotadas de livros e gavetas de arquivos com uma escrivaninha de metal à
frente da única e estreita janela da sala. — Quando meu filho chegar, ligue
para a minha linha, Aparecida. — ela disse na direção da recepção antes de
entrar e trancar a porta com cuidado.
Melinda suspirou, virando-se
para Alanna enquanto girava os ombros lenta e coordenadamente, fios de luz e
energia multicoloridos aparecendo em suas costas, se entrelaçando e iluminando
a sala de um jeito quase surreal, como um sonho em uma savana, tendo as
escápulas como ponto de origem.
— Também não conseguiu falar com
ele, Mel? — Alanna perguntou, mordendo o lábio, a Fada Madrinha balançando a
cabeça em negativa enquanto deixava as asas imateriais a levantarem,
abandonando os sapatos no chão e mexendo os dedos dos pés de forma aliviada,
enquanto os olhava. — Aconteceu algo? Você está estranha desde de manhã... —
sentiu o peito ficar mais leve ao fazer a pergunta, se inclinando para frente
na cadeira. Melinda bufou de leve.
— Eu e outros Fae de São Paulo
detectamos mais demônios ligados aos Primeiro, Segundo, Terceiro e Quarto Mundo
que o normal na cidade, a maioria na região da Oitava unidade... — a Fada
flutuou pela sala, deslizando os dedos pelas lombadas dos livros, alguns
antigos, outros nem tanto, preocupação mesclada com tristeza e confusão
permeando os traços de seu rosto. — Tentei falar com Helena, avisá-la para
colocar os Exorcistas de prontidão, por volta de oito horas... E não consegui.
— pousou sentada na própria escrivaninha, fitando os olhos cinza-ferro que
demonstravam uma maturidade fora do comum para alguém de treze anos. Apesar de
não gostar de ver aquele tipo de olhar em alguém tão jovem, ela entendia que,
apesar de tudo, Alanna precisara crescer rápido. Seu dom assim exigia. — Não
sei o que aconteceu na unidade, mas para cortar qualquer comunicação e impedir
Nilton de vir te buscar, foi grave. — franziu os lábios, pensativa, enquanto
tirava uma vareta de sequoia do interior do terninho e a acenava na direção do
cabelo de Alanna, os fios que estavam fora do lugar se assentando. — Davi vai
te deixar em casa e então vai pra lá, investigar o que aconteceu...
Alanna não gostou do plano. Ela
também queria ir para sua segunda casa, descobrir o que acontecera, não ficar
parada no apartamento, observando os grãos do tempo correrem inexoravelmente
enquanto Nilton, Helena e todos os outros que eram sua família estavam com
problemas.
Davi, quem viria buscá-la, era o
filho do meio de Melinda, tendo o pai humano e sendo, portanto, um Feiticeiro,
alguém com talento para a magia Fae de forma limitada, que atualmente tentava
provar ao alto escalão da classe da mãe que merecia se tornar um Feiticeiro
Padrinho. Enquanto o esperavam, Alanna tentou ler mais um pouco do livro e a diretora
organizou os volumes e a papelada compulsivamente de quase todas as formas
possíveis.
Desistiram cerca de quinze
minutos depois, ansiosas e temerosas.
— Não estou gostando disso...
Não pode ser natural, como uma pane nos sistemas... — a cadeirante resmungou
num bufo insatisfeito antes de começar a morder as unhas dos polegares com
impaciência.
A Fada, por outro lado,
deixou-se cair no chão desanimadamente, meio sentada, como se fosse uma boneca
de pano, os braços e as pernas se esparramando de tal forma que era quase
impossível entender como a roupa não se rasgara, uma expressão quase
desesperada no rosto. Até mesmo suas asas de luz e energia pareceram murchar,
mergulhando a sala num crepúsculo estranho, colorido, mas ao mesmo tempo,
sombrio.
— Só posso concordar com você,
docinho... — murmurou, olhando para o céu azul-acinzentado-de-fuligem da cidade
do outro lado da janela.
O telefone tocou cerca de meia
hora depois.
Melinda saltou como um sapo do
lugar onde estivera ruminando a situação, atendendo o telefonema no final do
segundo toque.
— Senhora, seu filho está aqui. — a voz da secretária ecoou do outro
lado. Soltando o ar, a Fada disse que ele podia entrar enquanto agitava a mão
livre para destrancar a porta, a chave girando na fechadura com um clique.
Segundos depois, um rapaz
entrou. A pele era um pouco mais clara que a de Melinda, de cabelo longo,
preto-azulado e liso, preso numa trança baixa que terminava pouco abaixo dos
ombros; os olhos eram de tal cor que eram como dois favos de mel, com um brilho
de genialidade e loucura; Alanna lembrava que o espírito de Leonardo da Vinci
possuía olhos com aquele mesmo brilho. Davi era, também, magro, quase
esquelético, e junto de seus um metro e noventa e cinco centímetros, parecia
nunca conseguir saber direito o que fazer com todos os membros quando não
estava realizando magia ou inventando algo. Tudo isso, mais a blusa de manga
comprida e gola alta azul-acinzentado-dia-de-chuva e calça jeans escura,
faltava apenas óculos para ser considerado o típico nerd.
— Alanna. — ele sorriu para a
garota, fechando a porta atrás de si. — Mãe. — e avançou na direção da mulher,
abraçando-a.
— Filho. — Melinda o abraçou de
volta, as asas elevando-a em seguida para que conseguisse beijar-lhe a testa. —
Conseguiu falar com alguém da unidade? — perguntou assim que o soltou, recuando
um pouco, a preocupação e o medo latentes em sua voz.
Davi negou, as sobrancelhas se
aproximando, acrescentando seriedade ao seu rosto. Melinda mordeu o lábio
inferior, as asas a levando pela sala quase inconscientemente.
— Isso não é certo... Tantos demônios,
não conseguir falar com ninguém dentro da oitava unidade, nem com ela em si...
— a Fada parou diante da janela, o céu escuro e poluído da cidade lá em cima
parecendo um pouco mais agourento que de costume. — Não gosto disso... Mas
estou sentindo... — Virou-se. — Vocês dois vão lá, ver o que aconteceu. Tomem
cuidado. — semicerrou os olhos para o filho. — Cuide bem da minha protegida,
Davi. — ele era seu filho, mas Alanna ainda era uma de suas protegidas, e ela
ainda era uma Fada Madrinha.
— Eu vou, mamãe, pode deixar. —
ele falou, se abaixando e passando um dos braços ao redor dos ombros da garota,
um sorriso tranquilo brincando nos lábios.
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