Dimensões

07 fevereiro 2012

Teorias de Conspiração - Capítulo 30: Esperança

Milagrosamente, mesmo tendo acordado durante a noite, consegui acordar cedo o suficiente para poder falar com vovó e ainda ter espaço para eu me preparar para o Rito de Passagem. O oficial. Não apenas demonstrar nossos talentos que honram Aine. Agora, deixaremos de ser crianças Fadas para sermos Fadas de verdade, capazes de prosseguir com a raça.

O Rito é bem simples. Ganhamos a tatuagem de um sol envolto por flo-res – para que nos lembremos de nunca nos afastarmos da luz e de nosso habitat natural, as florestas – e Aine abençoa a tatuagem com sua essência. Ou seja, somos abençoados por Aine duas vezes: uma, quando passamos pela prova. A segunda, quando ganhamos a tatuagem um dia antes da Esperança, onde iremos nos disfarçar sob a Teia e viajar pelas cidades, guiadas por Aine, para dar sopro de vida, esperança e felicidade a aqueles que precisam, para que não esqueçamos que somos Fadas e, acima de tudo, que temos a bondade em nosso sangue e que quando Aine surgiu, Deus deu a ela a missão de consolar quem necessita, e que essa missão se estendeu até nós quando ela nos criou.

Enquanto andava até a casa onde ficava o quarto de vovó, ia pensando no que falar e onde falaria para a tatuagem ser. Papai disse que a dele fica na base da coluna, e Devon disse que vai fazer no lado esquerdo do peito, bem onde o coração bate. Mas não sei onde pedir a minha.

Ontem eu pedi a opinião de Rashne, mas ele deu um sorriso safado en-quanto falava “Quer mesmo que eu diga onde eu gostaria de ver essa tatua-gem?” o que me fez estapear seu braço e murmurar um “Fravartin pervertido” enquanto desviava o rosto quente. Que namorado safado o que eu fui arran-jar... E o pior é o que eu gosto desse jeito de ser, apesar de ser um defeito. Eu não disse que gostava de seus defeitos e qualidades?

É como dizem: nós, mulheres, sabemos que não devemos nos aproximar de homens que façam cara de cafajeste. Mas não resistimos.

Fiz minha mente se acalmar quando entrei na casa. Uma Fada da Flo-resta estava sentada no chão da sala comunitária, lendo seu livro de feitiços. Seus traços indicavam alguém muito velha, e as asas esverdeadas que saíam lindas, poderosas e altivas de suas costas indicavam que, se não tinha sangue-puro, um dos pais deviam ser. O cabelo estava preso numa trança até a cintura, os olhos brilhantes e vívidos de alguém cheia de sabedoria.

Me aproximei devagar, e não nego que me assustei quando ela ergueu o rosto para me olhar. Ficou séria por um instante, e então sorriu.

− Olá, minha jovem Fada. Stacy, não? – apenas balancei a cabeça afirmativamente, aproximando-me quando ela fez sinal para que eu sentasse ao seu lado, ligeiramente surpresa por ela se lembrar de meu nome. – Elza, muito prazer. – ela olhou um instante para minhas asas. – Sinto pelo que a luta com a Gnoma provocou em suas asas. Como estão? – ela perguntou docemente, e quase como reflexo mexi minhas asas de leve.

Doíam um pouco ainda, mas Cairu e Caeté fizeram um excelente traba-lho, e, apesar de alguns hematomas, não estavam quebradas.

− Bem. Os Botos fizeram um bom trabalho. – sorri, e ela também sorriu.

Elza parecia com minha vó, antes de eu descobrir que sou uma Fada. Ela ficou bem mais séria depois disso.

− Eles costumam ser bons curadores... – ela fechou o livro e segurou uma de minhas mãos. Tenho a sensação de que ela os conhecia há muito tempo... – Imagino que tenha vindo falar com sua vó. – afirmei e ela suspirou. – Eurídice tem muito orgulho de você. De você e do seu irmão. Não seja apressada em seu julgamento. Ela sofreu muito antes de conhecer seu avô.

Sorri para ela de forma tranquilizadora.

− Não serei apressada. – Me levantei quando ela não deu mostras de que ia falar mais alguma coisa. – Obrigada pela preocupação e pelo conselho, Elza. – fiz uma reverência. – Por favor, pode me dizer onde fica o quarto de vovó? – ela sorriu enquanto me explicava qual corredor devia pegar para che-gar ao quarto.

Enquanto caminhava pelos corredores desertos, eu pensava comigo mesma que provavelmente Elza e vovó eram muito amigas...


Encarei a porta por alguns segundos, antes de decidir bater. Ouvi vovó falar um entre meio abafado.

Ela estava sentada no chão em posição de lótus, meditando. Parecia concentrada até eu entrar. Percebi ela me olhar e então engolir em seco, antes de falar.

− Se veio exigir que eu peça desculpas pelo modo como agi, perde seu tempo. – ela voltou a fechar os olhos, enquanto eu sentava a sua frente.

− Você conhece a Gnoma que me atacou, não conhece? – perguntei séria, observando as reações de vovó.

Ela parecia permanecer impassível, mas percebi que suas mãos tremiam. E quando respondeu, percebi sua voz um tanto deformada pelo nervosismo.

− Gnomos e Fadas se odeiam. Por que eu conheceria uma Gnoma, Stacy? – ela voltou a abrir os olhos e me encarou. Suspirei. Não estava afim de brincar de gato e rato.

− Não é porque um Íncubus idiota te magoou, que todos os não-humanos sedutores são tão fdp quanto ele, vovó. – ela me olhou de modo hor-rorizado, já percebendo que eu sabia de tudo – bem, parte do todo –, que eu tivera uma visão que mostrava justamente o que ela mais queria esconder.

− Mesmo assim, Stacy... Porque acha que conheço a Gnoma que te a-tacou? – ela franziu a sobrancelha, e parecia realmente tentar entender.

− Adriane. Por isso ela usa a máscara. O ácido marcou todo o seu rosto. – olhei para o céu azul através da janela, e vovó suspirou.

− Suspeitei que fosse ela, mas não achei que fosse realmente levar sua vingança a cabo depois de tanto tempo...

− O Djin a convenceu a esperar. – torci os lábios, insatisfeita. – Prova-velmente, eles demoraram tanto porque estavam preparando algo grande ou algo assim... – Parei um instante, e tive a sensação de que devia contar à vovó mais algumas coisas. – Ele falou algo sobre nós, Fadas, termos aprisionado alguém que lhe importa muitos milênios atrás e que a gente vêm mantendo-o aprisionado nesse tempo... E... No dia do casamento do Sammuel... Quando olhei para o tio da Hadassa no pavilhão, tive uma visão dele conversando com alguém que eu acho que era um Elemental do Ar. O Elemental falou algo sobre o tio dela não saber como é horrível ficar séculos preso no mesmo corpo, e sobre manter alguém afastada dos filhos de Ahura-Mazda, pagando uma Oráculo por uma falsa visão. Sobre algum Senhor que vai despertar, e que alguém é capaz de impedir. E falou em trazer alguns da extinção para o caso de não sei quem falhar como ele falhou. – não contei que achava que era a mim que se referia sobre manter afastado dos filhos de Ahura-Mazda, e aguardei vovó falar algo. Ela estava séria, os lábios unidos numa fina linha.

− Quando surtou com o Sammuel e o Eshe... Você disse algo sobre a Oráculo dos Kamaria ter sido comprada pelo tio da Hadassa para manter Sammuel e ela afastados... Tem certeza? – balancei a cabeça afirmativamente. – O que ele ganhava com isso? – ela franziu as sobrancelhas, e molhei os lábios antes de responder.

− Sammuel só decidiu casar com a Hadassa porque dei um fora nele, no dia que conheci o Rashne. – vovó me olhou, e percebi que seus olhos perguntavam “Por que você o fez?” – Eu... Tive uma visão do casamento onde Hadassa casava com Eshe... Os dois pareciam muito tristes... O tio dela sorria demais... E não havia Rashne. E tive visões somente com Hadassa... Nas quais um RedEyes tinha possuído-a, tamanha raiva e ódio ela sentia de mim por ter tirado Sammuel dela... – percebi que minha voz tremia e ia morrendo conforme falava. Lembrar de que eu podia ter conquistado o ódio ao invés da amizade de Hadassa me deixava com medo. Ela era uma pessoa tão incrível que me entristecia pensar na possibilidade de vê-la se perder por causa do ódio por perder Sammuel.

Vovó sentou do meu lado e me abraçou pelos ombros, com tanto cari-nho, que duvidei que realmente fosse ela, julgando como ela tinha agido ulti-mamente. E então, ela beijou minha testa.

− Desculpe pelo modo como agi, Stacy. Fiquei com muita vontade de te dar um castigo nas duas vezes que surtou. Achei que o motivo por surtar com Eshe e Sammuel fosse bobo, mas vejo que não. Você tem apanhado muito da vida, tentando decifrar essas visões e mudá-las ou fazê-las cumprir, e eu não tenho ajudado em nada. – wow. Se eu soubesse que era tão fácil, tinha tentado antes... – Tendo de escolher entre o que seu coração berra que é certo e o que realmente é certo... Deve ter sido difícil... – só balancei a cabeça de leve.

Fiquei abraçada a ela por algum tempo, até perguntar a opinião dela so-bre minhas visões.

− Sinceramente, Stacy, não sei o que essas visões juntas significam. A única coisa que posso lhe pedir é que fique atenta. – ela me afastou e sorriu. – Já decidiu onde vai ficar sua tatuagem?


Não havia fila. Estávamos todos amontoados ao redor de duas tendas fechadas onde as tatuagens eram feitas. Éramos chamados em grupos de dois ou três para cada uma, e não demorava muito, todos saíam.

Como sou das mais sortudas, estava entre as últimas a serem chama-das. E não, eu ainda não decidira onde a tatuagem ia ficar...

Três homens do meu povo faziam as tatuagens. Os outros dois que ti-nham sido chamados junto comigo se ajeitaram nas cadeiras ao meu lado. Eram dois jovens, de uns catorze anos cada, e gêmeos! Daqueles idênticos, com nenhuma marca a mais ou a menos. Ambos ergueram os braços direitos, apontando para o bíceps. E não, não tive curiosidade em olhar o que eles usavam para fazer as tatuagens. Eu torcia para que fossem feitas com magia... Tenho pavor de agulhas.

E então uma idéia me ocorreu.

Eu usava um vestido frente única por causa das asas. Apontei para o ombro direito e sorri. Ok, meio sem noção, mas me pareceu original. Além dis-so, como uso muito blusas sem manga, era ideal para que todos vissem.

Sim, eu sou louca de declarar desse jeito que sou uma Fada. Mas, fazer o que...

A loucura é minha amiga íntima desde sempre.


Não olhei enquanto ele fazia a tatuagem, mesmo que sentisse apenas um comichão. Podia ser psicológico: o que os olhos não vêem, o coração não sente, sabe...

Quando saí, Devon correu em minha direção, levantando a camiseta para que eu visse a tatuagem do lado esquerdo do peito.

− Pois é, Freak! Agora somos adultos! – ri com sua animação, e senti nostalgia ao ouvir o antigo apelido. Fazia tempo que ele não me chamava de Freak... Muito tempo.

E então, algo explodiu às nossas costas, e eu e Devon fomos atirados longe.

Me ergui, já sacando Fëna e Savën. Dessa vez, eu estava preparada.

E quando olhei para trás, senti os olhos marejarem. As duas tendas es-tavam desfeitas, os tatuadores e os jovens que estavam sendo tatuados joga-dos entre elas em ângulos estranhos que me davam a certeza de que não tinham sobrevivido.

Rangi os dentes, e antes de correr em busca de ajuda, verifiquei que tanto Devon como as demais Fadas que estavam fora das tendas estavam desacordados. Apenas. O que me foi um alívio, embora me perguntasse porque eu fora a única a me manter acordada.

Estava correndo em direção à casa grande, onde Aine e as demais Fadas de posto mais alto aguardavam, quando o ataque veio. Não consegui identificar de onde veio, mas Savën e Fëna agiram em conjunto para bloquear a espada. Não foi instintivo. Foram as adagas. Por alguma razão, a magia que continham palpitava mais forte do que nunca, enviando rajadas de energia enquanto eu e Adriane trocávamos golpes que nunca acertavam os objetivos.

Avancei com minha mão direita para tentar cortá-la na altura do peito, mas ela ergueu o escudo. Usei a vantagem da altura para tentar golpeá-la na cabeça com a mão esquerda, mas ela bloqueou com a espada.

Algumas vezes, ela tentava me golpear com o escudo, e eu tinha de pu-lar para o lado ou para trás para desviar.

Tentei algumas fintas. Completamente ineficazes.

Ora bolas, ela teve séculos para treinar! Eu só treino há seis meses! A desgraçada está brincando comigo! Ou talvez não, e eu só estou viva ainda por causa de minhas adagas serem encantadas.

Mas uma hora até mesmo elas tinham de falhar. Não por serem fracas, mas porque eu era fraca. Estava cansada daquele jogo de gato e rato e, quan-do ela ergueu o escudo para me golpear, saltei para a direita DELA automaticamente.

Foi esse o meu erro.

Senti a espada penetrar minha barriga e atravessar meu corpo. Meu cansaço e espanto eram tantos que nem forças para gritar eu tinha.

Ela puxou a espada lentamente, provocando mais dor, e chorei. Senti as lágrimas escorrerem pelo meu rosto, enquanto despencava no chão quando ela terminou de arrancar a espada. Doía demais.

Fëna e Savën caíram de minhas mãos sobre o solo úmido e remexido por nossos corpos, no mesmo ritmo que eu caia de joelhos.

Pressionei o ferimento, tentando achar forças em mim para recitar um feitiço que fizesse o sangramento parar, mas quanto mais juntava essência, mais fraca eu ficava, como se algo a sugasse. Involuntariamente, olhei para a espada, e tive certeza que, de alguma forma, ela estava ligada à mim desde que me perfurara e agora se alimentava da magia que eu tentava realizar, e seria assim até eu estar fora de alcance ou algo assim.

Ouvi a Gnoma rir loucamente, enquanto dava a volta ao redor do meu corpo. Percebi com a visão periférica ela erguer a espada logo acima da junção de minhas asas com as omoplatas.

Fechei os olhos com força e chorando mais ainda, prevendo o que ela faria. E percebi que não era apenas minha essência que a espada sugava. Sugava qualquer força que eu tivesse, pois minhas pernas se negaram a responder quando ordenei que saíssem dali.

Berrei no instante em que a lâmina desceu gélida por minhas frágeis a-sas de borboleta. Aquela maldita arrancara uma parte de mim! Arrancara aquilo que Aine me deu!

Olhei-a com ódio através das lágrimas silenciosas quando se abaixou à minha frente. Seu olhar era maníaco. Não pude ver seu rosto, mas tinha certeza que sorria maniacamente quando falou.

− Esperança não vai acontecer, Fadinha. Nunca mais. Esqueça-a, por-que ela também te esqueceu. – ela falando de Esperança me fez lembrar do sonho que eu segurava a menina que alguém chamava de Esperança. E seus olhos... Fora uma visão. Uma visão que mostrava a filha minha e de Rashne, era o que os olhos diziam. Como demorei tanto tempo para ver?

E então, ela recitou o feitiço que me mandaria para onde ela bem entendesse. Inclusive o vácuo absoluto.

E, antes de sumir, pude perceber um homem ao seu lado. Um homem de pele de réptil e olhos de um amarelo radioativo com pupilas em fenda.

Filha da mãe.

Fez um pacto com um maldito Arquidemônio pra conseguir nos destruir. Por isso é tão forte e consegue fazer magias sem ter afinidades.


Antes de apagar por completo, senti o cheiro forte de enxofre e percebi o solo árido e azulado de onde estava. Uma lágrima rolou por meu rosto por per-ceber que realmente a menina chamada Esperança nunca iria acontecer e que eu devia esquecê-la. Era engraçado, pois no instante que lembrei dela, senti uma vontade imensa de conhecê-la, de segurá-la em meus braços.

Eu estava em Kolshö. E antes de apagar, eu pensava comigo se devia esquecer também o sentimento de Esperança.

Esperança de reencontrar Rashne e todos os demais que amo.


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