Dimensões

02 janeiro 2012

Teorias de Conspiração - Capítulo 25: Para Destruir é Preciso Coragem, Não Apenas Vontade

Teorias... Achei que tinha apenas tido um pesadelo onde Thaíze e Eshe eram namorados. Mas quando acordei no dia seguinte, tive a triste surpresa de constatar que era verdade.

Não triste, exatamente. Mas foi uma surpresa e tanto. Primeiro que nunca imaginei Thaíze namorando sério com alguém. Segundo porque eu nunca imaginei que Eshe fosse gostar justo de uma... Sereia, não quando ele falava tanto da tal Phelan. Ele, tão “recatado e puro”... Deve ser efeito daquele ditado “Os opostos se atraem.”

Depois escrevo mais. A pausa acabou e temos de continuar nosso ca-minho até onde vão ocorrer as festividades.

Voltei a guardar Teorias na mala, levantando do tronco caído onde tinha sentado nos minutos de descanso, e a “comitiva” voltou a seguir caminho até onde outras Fadas estariam esperando.

Aliás...

Olha que estranho.

Estamos em nove! Sério: eu, vovó, papai, Devon, Rashne, Alessa, Eshe, Sammuel e Thaíze. Bem, sem contar o Despertador, que ta mais pra Gollum, ficando pra trás... Igual na Sociedade do Anel!

Só espero que não tenhamos os mesmos problemas...


Parece que qualquer ser superior que se importe com a gente decidiu me dar uma folguinha, já que chegamos sem problemas onde as festividades iriam ocorrer. Graças à Deus! Eu ainda estava meio alta depois de algumas bebidas que serviram no casamento do Sammuel e da Hadassa... Minha cabeça ainda latejava de vez em quando...

Já tinha muitas Fadas e outros correndo para lá e para cá: destes, a maioria parecia ter a idade de vovó. Os que tinham por volta da mesma idade que eu e Devon, ou ainda mais novos, faziam fila para entrar em construções simples de madeira. Percebi que aqueles que estavam com roupas tipicamente humanas faziam fila num lugar, e aqueles que já usavam roupas típicas das Fadas faziam fila noutro lugar. Eles pareciam especialmente nervosos. Não eram tantos assim, tipo o portão do meu colégio na hora da entrada, mas ainda assim, bastante gente.

− Vó... Para que são aquelas filas? – Devon perguntou antes de mim, apontando para as filas de Fadas. Nenhum deles tinha asas. Só alguns que pareciam ainda mais velhos que vovó possuíam asas. Pressinto que vou ser o centro das atenções...

Vovó desviou o assunto, falando para que eu e Devon nos juntássemos aos demais novatos que estavam com roupas comuns, enquanto arrastava os outros para outro lugar, na mesma direção que as Fadas mais velhas iam.

Ainda tentamos falar algo, mas vovó desapareceu em meio à tantas Fadas.

Eu e Devon nos olhamos, cada um com cara de “WTF?” até que Despertador, que estava sentado do nosso lado, bocejou e com jeito desinteressado apontou para irmos para a fila que vovó indicara.

− Você está nessa à mais tempo que eu... Vovó não te contou nada do que nos espera? – perguntei enquanto andávamos na direção indicada, Despertador nos seguindo discretamente. Percebi muitas outras Mantícoras ao nosso redor. Nenhuma tão grande quanto Despertador.

E logo senti os olhares de curiosidade se prenderem em mim. Droga.

− Não. Ela só disse algo sobre termos de provar nosso valor mais por tradição que qualquer outra coisa... Mais nada. – ele parecia tão preocupado quanto eu.

Ficamos alguns minutos em silêncio, e observei melhor as Fadas. De novo, me senti uma batata entre rosas. Os cabelos de todas elas caíam em cachos perfeitos e os corpos eram proporcionais, enquanto eu ainda tenho uma juba no lugar do cabelo e corpo mais de tábua que qualquer outra coisa. Que inveja.

Mas percebi que os olhares que elas me dirigiam eram quase de ódio. Oxe. Por que isso? Vocês são muito mais bonitas que eu!

Só percebi que tinha algo relativamente errado quando Devon me abraçou pelos ombros e me puxou pra perto dele. Eu boiei geral até ouvir ele murmurar irritado entredentes.

− Não bastasse o Sammuel e depois o Rashne, agora vou ter de proteger minha irmãzinha de um bando de Fadas-macho... – ele parecia realmente irritado e com ciúme. Olhei então ao redor e percebi que a grande maioria dos garotos me observava atentamente. Aquilo me deixou sinceramente nervosa.

− Devon... Não sou tão bonita assim, então, por que praticamente todos os garotos da nossa raça estão me olhando? – eu perguntei com um sorriso nervoso típico dos desesperados, num sussurro tão corrido que eu duvidava que Devon tivesse entendido.

Ele respondeu num sussurro igualmente corrido.

− Asas. Vovó me avisou que o “instinto” das Fadas aponta para aqueles que têm asas, porque no passado era indicação de sangue-puro. E você tem asas. O maldito instinto faz com que todos os machos da nossa espécie te achem a última coca-cola no deserto.

Ok. Agora eu fiquei assustada. Quer dizer que só porque tenho asas, corro o risco de ser assediada por todos os Fada-macho que existem? Eu sou muito sortuda...

− Como se não bastasse a atração natural por Elfos... – murmurei irritada e abraçando Devon de volta. Agora é que não solto meu irmão mesmo.


A “casa” por dentro era muito maior do que por fora. Tipo, por dentro, parecia uma mansão. Feitiço de Expansão, do tipo Espaço. Feito por um Fravartin muito poderoso considerando o tamanho do lugar, ou então um aprendiz de Fravartin muito bom. Rashne se ofereceu para me ensinar, mas eu neguei. Não julgo necessário, mesmo tendo afinidade.

Havia vários quartos e Fadas mais velhas dando instruções. Irmãos ficavam no mesmo quarto. Ainda bem!

Uma Fada – da cidade, foi o que seus olhos e cabelos me indicaram – falou para irmos até o quarto no fim do terceiro corredor do segundo andar, nos trocarmos e então irmos para a outra casa com fila. Aparentemente para um sorteio de o que teríamos de fazer para provar nosso valor. Ela duvidou de que eu e Devon fossemos irmãos, e perguntou a Despertador se éramos mesmo irmãos ou estávamos mentindo – não sei por que mentiríamos, mas vai saber o que se passa na cabeça de algumas Fadas por aí – e Despertador com seu jeitinho de Mantícora afirmou que éramos sim irmãos. A Fada pareceu ficar com um pouco de medo, e enquanto íamos para o quarto indicado, Despertador andava à nossa frente com o rabo erguido e um andar felino e orgulhoso, como quem diz “eu protejo duas pessoas importantes e sou o maioral”. De fato, as demais Mantícoras, relativamente menores, o olhavam com inveja.

Quem diria, até entre elas tem competição!


Havia apenas um banheiro, e como hoje eu estava com muita sorte, tiramos no jokempô e ele ganhou: iria se vestir primeiro. Mas acho que foi até melhor, porque eu demoraria um bocado pra vestir a roupa que vovó fez pra mim.

Um vestido manga única aberta, presa um pouco acima do cotovelo por um bracelete, aberto na perna esquerda, mas com outro tecido independente e bordado caindo. No outro braço, várias faixas presas com um bracelete. Tudo em tons de azul pra combinar com minhas asas. E vovó me arranjara pulseiras, tornoseleiras e colares. E um par de brincos enormes e redondos que ganhei de Hadassa antes de vir pra cá. E, claro, tudo preso por broches que me confundem as idéias. Lindo, não?

Devon se trocou rapidamente: um par de calças verde-musgo com uma camiseta larga de costas do tipo nadador, um pouco mais clara e um tanto transparente. Meio estranho, mas combinava com ele. Já eu, precisei de meia hora pra conseguir me vestir. Ai, por que roupas de Fadas são tão complicadas?

Chamei Despertador pra ir com a gente. Mas vou te contar! Essa Mantícora anda muito rebelde! Virou a cara e deitou na cama que seria a minha. E ainda fez um barulho tipo de desdém!

Affff.

− Não sai de perto de mim. – Devon avisou antes de sairmos do quarto.

Claro que não ia sair de perto dele.

Não quando tem tanto cara me olhando como se, de fato, eu fosse a última coca-cola do deserto.

E viva a coca-cola!


Ficamos por um bom tempo na fila. E quando entramos, eu e Devon tivemos de ir em direções opostas. Garotas iam pra um lado, garotos pro outro. Ao menos agora só tenho olhares de raiva pra suportar. E ESSES eu sei suportar.

− Meu nome é Isabel. – uma Fada da Floresta com uma senhora pre-sença se aproximou de mim, falando na língua da Teia. Ela aparentava a idade de vovó, mas havia muito mais sabedoria em seu olhar e semblante. – Qual o seu nome e o nome dos seus mestres, que te acompanharam? – ela me perguntou, me guiando de modo tranquilo para uma das salas da casa. Seu olhar era calmo e passava confiança.

Admito que estava muito nervosa e enrolei a língua na hora de falar. Maldita timidez!

− M... Me-meu n-nom-me... – Alguém traduz? Eu devia estar falando qualquer coisa na língua da Teia, menos “Meu nome”.

Isabel começou a rir suavemente.

− Acalme-se, Fada. – falou com um tom tranquilo. Respirei fundo e senti meu coração se acalmar. – Pronto. Agora, do começo.

− Meu nome é Stacy Greeneyes. Os mestres que me acompanharam são o Fravartin Rashne Mahtab e a Sereia Thaíze Oliveira. – de todo mundo, Thaíze, apesar de ser uma Sereia – tipicamente com ar grego – é a mais brasileira de todos.

− Ah, sim! Sabe, mestres bem incomuns os seus, para as Fadas... – ela sorriu, me guiando por entre os corredores cheios. – Não estamos entre as que ligam muito para o que acontece há milhas de nós ou entre as mais afinadas... – ela riu, tipo assim, gargalhou pra caramba.

− Nem me fale sobre a afinação... – falei com humor sombrio, lembrando de quando estava praticando e um copo de vidro próximo trincou. Não, não foi cristal, foi vidro mesmo, daquele de copo de requeijão.

− Bem, você fica aqui. – agradeci à Isabel por me levar até ali e entrei na sala. Avistei Rashne e Thaíze do outro lado, já com vestes típicas.

Andei até eles, sentindo muito olhares se prenderem em mim. Por que eu sempre tenho de ser o centro das atenções?!

− E agora? – perguntei para nenhum dos dois em especial, sorrindo nervosamente. Eles estavam sérios demais pro meu gosto.

− Vamos esperar te chamarem e então você vai sortear o que vai ter de fazer pra provar o seu valor. – Thaíze respondeu, torcendo o nariz. – Prepare-se. Pode ser qualquer coisa. – ela parecia um tanto preocupada, mas Rashne estava aparentemente tranquilo. Digo “aparentemente” porque Fravashis estão entre aqueles que melhor sabem esconder o que estão sentindo – embora o Rashne dê umas escorregadas de vez quando, geralmente quando estou por perto.

Engoli em seco quando ela disse “qualquer coisa” com aquele tom de “Deus pai, eu sei que não sou a mais fiel ou crente, mas ajuda a Stacy a pegar algo leve, por favorzinho”. Medo ponto com.

Eu estava com o coração na boca quando chegou a minha vez. Pediram pra eu colocar a mão numa urna e tirar um papel de lá. Engoli em seco enquanto pegava o papel, o erguia e entregava para a Fada que estava ali para anotar as coisas.

Ela pegou o papel, leu, arregalou os olhos, me olhou, olhou para o papel de novo. Ai! Lá vem bomba!

− Tudo bem? – Thaíze perguntou, aproximando-se com Rashne e lendo o papel. Eles empalideceram. Thaíze não era grande coisa ficar pálida, mas Rashne, com aquele tom de pele... Fiquei sinceramente assustada.

− É muito ruim, certo? – perguntei nervosamente.

− Ruim é pouco... – Rashne começou. Ai. – Você vai ter de enfrentar um Elemental da Montanha. – ele não falou o nome mais conhecido. Ainda bem, ou eu desmaiaria na hora.

E pra não te deixar no escuro... Elemental da Montanha é o nome oficial dos nossos “queridos” Trols.

Porcaria.


Enquanto íamos andando pelo corredor, eu ia pensando no que ia ter de fazer. Tinha uma semana para me preparar. No mínimo, já que a Fada disse que a ordem em que nos apresentaríamos seria aleatória.

Lindo.

Quando saímos da casa, encontramos Devon acompanhado de vovó e de Alessa. As duas riam disfarçadamente enquanto ele parecia desanimado até o último fio de cabelo.

− Por que vocês duas parecem tão animadas enquanto o Devon parece ter encontrado seu pior pesadelo? – perguntei, erguendo sutilmente uma so-brancelha. Foi Alessa quem respondeu, em meio à risos.

− Realmente, o pior pesadelo dele: prova oral sobre Teoria da Magia e história geral das raças. – puts. Ok, o que ele pegou não é pior que o meu, mas ainda assim é uma bela droga.

− Meus pêsames, mano... – coloquei uma mão em seu ombro de forma teatral e preocupada.

− E você, Stacy, o que pegou? – Alessa perguntou em dado momento. Thaíze respondeu por mim ao perceber minha cara de quem não queria falar sobre aquilo.

− A Stacy pegou... Enfrentar um... Trol. – ela disse devagar, quase como se não quisesse falar aquilo.

Ficamos em silêncio, quase como se estivéssemos num funeral. É, as coisas só pioravam pro meu lado...


A semana passou, comigo e Devon treinando na área dedicada justamente para isso – Despertador não poderia me ajudar na luta, parte da tradição. Fadas iam e vinham, treinando luta ou, como Devon, estudando teoria da Magia, história, etc. Como eu e meu mano fazíamos? Enquanto lutávamos, eu fazia perguntas relacionadas à teoria e história, e pra cada erro, eu batia com o cabo das minhas adagas em sua cabeça. Sim, ele ganhou muitos galos.

Por tradição, não podíamos ter contato com nossos mestres até passarmos pela tal prova. Supunha-se que, até chegarmos ali, já tínhamos aprendido o necessário para honrar Aine. Para Devon, talvez fosse mesmo. Para mim, nunca se aplicaria, tendo de aprender tudo.

Os sonhos e visões pararam, provavelmente porque tenho treinado tanto que chego no quarto e caio exausta na cama e, quando vejo, já é hora de acordar.

Os olhares raivosos por parte das meninas diminuíram quando elas perceberam que meu irmão não deixaria cara nenhum cara se aproximar de mim, e os garotos também pararam de olhar tanto quando sacaram que eu não ia dar chances para nenhum. Principalmente por verem o quanto eu me esforçava pra lutar. Talvez eles tenham percebido que eu pegara algo bem ferrado e decidiram deixar pra outra hora.

E então, chegou o primeiro dia de demonstrações.

Nos reuníamos numa clareira com uma arena no meio, cercada com uma barreira mágica para evitar acidentes. Um palanque apenas um pouco mais alto numa das extremidades reunia os mais importantes na sociedade das Fadas – entre eles, Aine de Knockaine, oculta por uma cortina de seda até o dia em que ela nos seria apresentada – e alguns convidados especiais – Sammuel e Eshe, que só estavam aqui por causa do Djin e da Gnoma. Nós, novatos, que tínhamos de provar nosso valor, estávamos sentados nas raízes e galhos de árvores muito altas e grossas – não chegavam nem perto da árvore-templo de Ahura-Mazda, mas ainda assim impressionavam. E, ao redor da a-rena, todos que não eram novatos, nossos mestres e nossas Mantícoras. Era tanta gente que dava medo.

E a tensão no ar no grupo dos novatos... Nenhum de nós falava, em contrapartida ao resto das Fadas que faziam a maior algazarra. Todos nós estávamos com medo de fazer feio na frente de todas aquelas Fadas, de nossos familiares, de nossos mestres e, principalmente, de Aine.

Os dias foram passando, e as árvores onde aguardávamos iam ficando vazias conforme passávamos pelas provas de forma aleatória. Houve todo tipo de prova: provas teóricas orais, realizar determinado feitiço de certa dificuldade, enfrentar apenas com armas ou magia determinado animal... Menos, claro, um Trol. Ou melhor, Elementais no geral: ninguém teve de enfrentar um! Na primeira semana, eu ainda tinha Devon do meu lado, para trocar ideias, mas a vez dele chegou e ele foi sentar junto de nossa família – ele se saiu muito bem, aliás. E pronto. Eu estava sozinha.

A segunda e última semana termina amanhã, Teorias.

Eu não fui sorteada até hoje. Mas amanhã, não tem escapatória.

Ai, meu Deus... Espero conseguir.


Acordei com Devon balançando meu ombro. Ele disse que já ia encontrar vovó e os outros, e sorriu de um jeito animado, falando que eu ia conseguir, e saiu.

Engoli em seco. Faltava uma hora para as últimas provas começarem, e eu tinha de correr se quisesse chegar a tempo. Tomei um banho rápido e vesti uma roupa de luta que vovó fizera para mim: um vestido curto e simples, de costas abertas, cortado dos dois lados, com orquídeas bordadas na parte de baixo e uma saia longa presa na altura da cintura por um broche, de forma que podia ser tirada a qualquer momento facilmente pra ficar só com o vestido. Tudo em tons de verde. E como eu não sabia o que me esperava, coloquei uma bermuda do tipo leging, mas curta, por baixo, com minhas adagas embainhadas junto.

Corri para a arena enquanto comia uma maçã – não estava com muita fome – eu e mais um monte de garotos e garotas atrasadas.


Restava apenas uns sete novatos espalhados pelas árvores – eu no meio – quando chamaram uma Fada da cidade chamada Absinthe – fiquei me perguntando de que parte do globo terrestre ela viera – e ela teria de fazer crescer uma árvore do tipo gigante que leva uma eternidade pra crescer. Não, não lembro qual árvore era.

Só sei que era um feitiço de alto nível que eu não esperava aprender tão já. E só me senti mais inútil quando ela fez a árvore crescer, florescer e criar frutos.


Ah, tá, né... Mal consigo fazer uma rosa desabrochar...

O que importa é que ela chamou atenção geral.


Eu fui a última. Só tinha eu, quase no topo de uma das árvores, quando a Fada que anunciava quem iria provar seu valor me chamou. E, surpresa: era Isabel.

− Querido povo! Destaco que essa jovem foi sorteada ainda no primeiro dia, mas devido ao perigo relacionado à sua prova, decidimos que ela seria a última! Por favor, Stacy Greeneyes, apresente-se! – lindo. Já era pra eu ter passado por essa tortura.

Ouvi uma espécie de burburinho geral quando ela falou meu nome, em especial o sobrenome, enquanto eu saltava do galho para o chão usando as asas ainda incompletas para aliviar o impacto, como Rashne me ensinou.

Uma brecha abriu-se na barreira e, antes de atravessá-la, soltei o broche da saia mais comprida e deixei-a ali. Só estava com ela mesmo pra ocultar minhas adagas. E então, adentrei a arena, a brecha se fechando às minhas costas.

− A jovem Stacy terá de enfrentar um perigo muito grande para provar que honra Aine! Deixo claro que, caso haja mostras de que ela corre real perigo de vida, iremos interromper a prova! – Isabel suspirou, e percebi ela sorrir de forma encorajadora lá do palanque, com Sammuel e Eshe do seu lado sorrindo do mesmo jeito. Com o olhar, procurei minha família, e todos eles sorriam-me com confiança. Especialmente Rashne, que tinha um olhar de preocupação junto. – Que tragam o Trol! – ela gritou, e todos os presentes começaram a murmurar. Reconheci o “buraco negro” que abriu-se à minha frente en-quanto o Trol era trazido através de um portal previamente aberto – diferente de teleporte. Ah, outra hora explico porque são diferentes...


Respirei fundo e saquei Savën e Fëna, meu pingente de Olho-Que-Tudo-Vê pendendo em meu pescoço. Não sei o que vou fazer, mas sei que sem chance usar minhas adagas nesse monstro. Mas isso não quer dizer que eu ficar desarmada.

Não queira ver um Trol. Estão entre os Elementais mais feios, burros, fedorentos e imundos que existem. O fato de não se misturarem com outras raças só piora a situação deles.

Mais de dois metros e setenta – não sei quanto, mas mais –, mais músculos do que sou capaz de contar, pele cor de terra e suja de terra, alguns fiapos chamados de “cabelo” pendendo cinzentos da cabeça, olhos que mesclam verde e marrom de um jeito enjoativo, pés e mãos desproporcionais, uma enorme maça de espinhos e roupas toscas de couro sujas pra dedéu. Não, não é uma visão de sonho.

O Trol me olhou, confuso, para então urrar de raiva e avançar na minha direção.

Enquanto desviava do golpe de sua maça, eu me sentia uma Davi da vida enfrentando um Golias da vida.

Bem básico.

Ele chocou a arma contra a barreira, que voltou e o fez girar e se desequilibrar. Pareceu meio atordoado, mas logo se recuperou e voltou a olhar para mim.

Eu sabia que não teria tanta sorte na próxima. Um passo dele equivalia a cinco ou mais meus, fora o comprimento da maça. Eu não conseguiria correr tanto.


Perdi a conta de quantas vezes ele me atingiu com socos e com a maça, me atirando contra a barreira. Eu não conseguia desviar. Era muito rápido. Gostaria de saber como ainda estou inteira, aliás.

E isso porque eu sempre fui boa pra correr.

Eu estava ofegante, e aproveitei que ele me atirou para o lugar mais longe dele, na outra extremidade da arena, para recuperar o fôlego e pensar no que fazer. Não sei quem estava mais sujo: se eu ou ele.

Ele urrou na minha direção, e saquei o que devia ter sacado antes: eu não ia vencer no corpo a corpo, eu tinha de usar magia. É, sou lenta mesmo. Principalmente sobre pressão.

Embainhei minhas adagas e comecei a cantar com minha linda voz algum encanto que o fizesse dormir. Ele tentou se aproximar, mas quanto mais perto, mais sonolento ele ficava, até que caiu no chão, desacordado e roncando feito um porco – ok, pior, até porcos roncam melhor.

Mas eu sabia que aquilo não bastava. Ele acordaria rápido.

Sentei em posição de lótus no chão, erguendo uma barreira por segurança.

E então, recitei o encanto que mamãe me ensinara. Ela dissera que alguns Vampiros usavam o feitiço de invadir sonhos para acabar com a família de suas futuras vítimas, assim não tinham tantos problemas. É assim que se enlouquece uma pessoa: mate-a em sua cabeça. E invadi os sonhos do Trol.


Ok, acho que vou virar vegetariana depois de visitar o sonho de um Trol. Meu Deus, quanta carne vermelha quase sangrando de tão crua!

Nunca mais como carne!

A mente dele reagiu a invasão. Por essa eu não esperava!

Tive de desviar de sua versão mental – bem menor comparada a real, graças a Deus – caindo num lago de – ECAAAAAAAAAAAAAAAAAAA! – sangue.

Definitivamente, nunca mais como carne.

Me levantei, me sentindo um tanto sufocada, e comecei a usar minha mente para invadir o sonho do Trol não apenas comigo, mas também com ar-mas vindas da minha cabeça.

E começamos a lutar. E eu sabia que só um sairia dali. Ou ao menos, planejava.


Minhas adagas apareceram assim que pensei nelas. Comecei a atacar o Trol, que dessa vez não tinha a vantagem da altura – estávamos do mesmo tamanho por causa da sutileza dos sonhos. Percebi inclusive que ele estava assustado. Tenho certeza que ele nunca enfrentou algo parecido: alguém dentro da sua mente.

Por outro lado, eu me sentia em meu elemento. Andar nos sonhos das pessoas... Não o fazia porque era errado, mas eu gostava. Talvez fosse meu lado Vampiro que não se manifestou em meus dons, mas em minha personalidade.

Joguei o Trol num dos lagos de sangue. Antes que ele tivesse oportuni-dade de se levantar, me joguei sobre ele e coloquei minha adaga em seu pescoço. Eu já me preparava para fincá-la quando percebi o terror em seus olhos.

Valia a pena eu matar uma criatura que não me fez nada, que só tinha sido trazida para eu honrar Aine? Se Aine queria que eu o matasse, me desculpe, mas tenho vários motivos para não fazê-lo.

Primeiro, vai contra minha natureza de Fada. Segundo, ele nunca me foi uma ameaça de fato. Terceiro, só tenho a intenção de ter o sangue de Kai e da Gnoma em minhas mãos, não uma criatura “inocente” – eu sei que Trols não são tão inocentes, mas o que eles fazem é apenas seguir seu instinto. Eles não têm culpa de serem tão primitivos e quase não poderem usar magia.

Mesmo que o que eu estivesse fazendo fosse apenas destruir a mente do Trol, eu não tinha coragem. Não tinha coragem de acabar com a mente de um ser, tirar sua capacidade de sobreviver.

Suspirei e me ergui, e com uma palavra, cancelei o feitiço.


Acordei na mesma posição e lugar. O Trol se remexia levemente, os efeitos do feitiço passando.

Cancelei a barreira e me aproximei do ser. Cantei algo que o fizesse acordar de vez para depois usar um encanto que curasse qualquer seqüela que eu tivesse deixado em sua mente. Não queria me sentir culpada por ferir a mente de alguém, não importa quem fosse.

Ele se levantou e me encarou. Eu fiquei parada, embora minha vontade fosse de sair correndo. Mas eu sabia que não iria longe, considerando que minhas pernas pareciam gelatina.

Então, ele se abaixou até ficar quase da minha altura, me olhando nos olhos. E eu não desviei.

E então, ele sorriu levemente, antes de colocar uma mão sobre o peito do lado direito – onde ficam os corações dos Trols – e abaixar a cabeça levemente. Tenho a sensação de que se tratava de um sinal de respeito em sua cultura primitiva... Algo como ele admirar meu ato, por eu ter em minhas mãos a chance de torná-lo um incapaz, mas não o fiz.

Um buraco negro de portal abriu-se, e ele sumiu, me deixando sozinha no meio da arena. Nem percebi quando a barreira caiu e que aplausos começaram. Só reparei quando minha família e meus amigos se amontoaram ao meu redor, mesmo eu estando imunda. Senti Thaíze beijar minha bochecha de forma estalada, apertando meu pescoço num abraço que me sufocava.

− Você acertou o feitiço pra fazer dormir! Achei que não fosse viver para te ver acertá-lo! – ela exclamou, e arrancou um risinho de mim. Eu sempre errava aquele feitiço, é verdade.

Dizem que para destruir, basta vontade.

Mas eu digo que é preciso vontade e coragem. E coragem...

Isso me faltava.


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